quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Notas sobre as notas de conjuntura do MES (I)


O Movimento Esquerda Socialista- MES, corrente interna do PSOL, há poucas semanas publicou anotações com o teor de recente reunião com outros grupos do seu campo na América do Sul, versando sobre análise de conjuntura nacional e internacional. Nós do blog "Espaço Marxista" comentaremos abaixo partes do texto, apontando aquilo que consideramos, em nossa opinião, equívocos crassos. Fazemos isso para estimular a discussão dentro da esquerda brasileira e para demarcar posição diante de linhas que, data venia, reputamos erradas.

O link para o texto (anotações e não um documento oficial, sabemos) está aqui, para quem quiser analisá-lo em seu inteiro teor. Os trechos do MES vão destacados a seguir, com nossos comentários logo abaixo. Seguimos a ordem sequencial conforme aparece no texto. Em breve, publicaremos a segunda parte destas "notas sobre notas".

*

Há uma idéia sustentada pelo campismo que diz que já existe uma multipolaridade e uma disputa mundial da qual China, Rússia e países emergentes seriam um bloco progressivo frente à decadência americana. De outra parte, há também a idéia de que a mundialização do capital, (em particular a produção em rede das multinacionais que em sua produção em cadeia rompem fronteiras nacionais), mudou o caráter do imperialismo neste novo período. Esta idéia se assemelha também com a de multipolaridade. Nos parece que as duas são visões erradas, embora haja elementos certos das duas na atual fase imperialista de mundialização: há um imperialismo que, com suas debilidades e crises, continua jogando um papel predominante.

Parece-nos que esse "campismo" é uma realidade evidente. A geopolítica mundial se desloca de um cenário em que Washington é o poder hegemônico, desde a débâcle dos Estados Operários do Leste, dos anos 90 até meados dos anos 2000, até outra realidade em que as novas crises do capital abriram terreno para a ascensão de um pólo alternativo e "rebelde" que tem adotado uma postura de enfrentamento e autonomia diante do Império. A balança se inclina para a Rússia e China, que, com os BRICS, abrem espaço para essa multipolaridade, ao menos uma bipolaridade. Tal bloco alternativo inclui o Eixo Bolivariano e mesmo países na América do Sul que, sem serem necessariamente progressistas e muito menos socialistas -como Argentina e Brasil, esse membro do já aludido BRICS- têm priorizado tais novos atores em suas relações comerciais e políticas. O Irã, membro do famoso "eixo do mal" bushista -e a História já mostrou quem é o diabo aqui- deve ser incluído no grupo, com seu posicionamento anti-imperialista e anti-sionista.

Queira-se ou não, a polarização está sendo desenhada. Sendo inadmissível que a esquerda se alinhe com o bloco EUA-UE, e na ausência de um bloco socialista "puro sangue" -teria havido alguma vez na História tal bloco?, haja vista que os esquerdistas estão sempre em busca da experiência "perfeita"-, é dever revolucionário emblocar com tal campo alternativo liderado pela Rússia.

Assistir à luta dos povos de cima do muro é, ao contrário, traição de classe evidente.

Seu objetivo é uma nova política para tentar estabilizar a região, melhor dizendo, tentar que o caos não seja maior; em troca de acabar com sansões, o que permitirá ao Irã um desenvolvimento de sua economia nos marcos do neoliberalismo, entrega aos aiatolás o papel de estabilizar o Iraque e o Afeganistão, dando-lhes também liberdade para competir com os sunitas da Arábia Saudita e, é claro, também usar como aliado para frear o avanço da ISIS. É uma política defensiva para evitar a propagação do grande caos que vive a região e seu elemento de maior desestabilização que é ISIS e a política do ditador da Siria.

Aqui, duplo preconceito contra o Irã. Já dissemos em outro texto que não endossamos o caráter teocrático do país, que se define como República Islâmica, enquanto nós propugnamos pelo autogoverno dos trabalhadores em moldes laicos. Contudo, não se pode menosprezar o importantíssimo papel do país, potência regional, no combate ao imperialismo e ao sionismo. Dito isso, o MES erra ao afirmar que, como consequência da atual correlação de forças, a) o Irã se desenvolverá em marcos neoliberais, b) o papel político será dos "aiatolás". Em ambos os casos, há generalização indevida, confundindo o papel -e as contradições entre elas- das instituições iranianas e a força de suas massas. O caráter progressista do papel russo-iraniano, todavia, é reconhecido quando é dito que com tais atores se evita a "propagação do grande caos que vive a região".

Bashar al-Assad, aqui, é o "ditador da Síria". Mas como Fidel Castro, "ditador" que renunciou voluntariamente ao poder, Assad é um ditador disposto a se submeter ao crivo popular (aqui).

O ISIS. Como dizíamos, os elementos de caos e inclusive regressivos também existem e se estendem. O ISIS é uma regressão pré capitalista, não tem nada de anti-imperialista. O terrorismo que impulsiona é muito daninho à luta de classes e tem se transformado em um componente importante da situação mundial (...) o surgimento do ISIS, que desgraçadamente se tornou cada vez mais protagonista conjuntamente com a Al Queda, é regressivo e reacionário não apenas por sua ideologia, mas também pelo papel que joga no território que ocupa, no caso da Síria, e fazendo o jogo da Turquia e do governo Erdogan

Aqui se reconhece, acertadamente, o papel reacionário e pró-imperialista do ISIS. Isso deveria levar, contudo, a uma posição lógica: o apoio à única força capaz de enfrentar o jihadismo, que é o bloco Putin-Assad. O MES não faz isso: limita-se a detectar o problema, sem todavia avançar. Dizemos única porque é mesmo. Como reiteradamente falado, o Exércio "Livre" Sírio", se é que chegou a ser exército de verdade alguma vez, já se desmanchou em meio aos inúmeros grupos jihadistas e/ou pró-OTAN que enfrentam o governo sírio. Nesse sentido vide este texto do jornalista Robert Fisk, no qual, com sua verve irônica e crítica, sem poupar Assad ou a Rússia, debocha dos que falam em oposição "moderada" na Síria.

O fundamental é que esta ausência de modelo complica também o fortalecimento mais rápido e consistente de alternativas que foram surgindo. Não existe um modelo alternativo, porque o socialismo real (falso modelo), mas que viam as massas como alternativa, fracassou e não existe mais, e porque também colapsou (entre outras coisas porque também era uma utopia declamatória) o socialismo do século XXI do bolivarianismo. Por isso não existe outro modelo visível para o movimento de massas. Isto age negativamente sobre experiências tipo Syriza, Podemos ou outras que possam surgir. Isto torna mais complexo o desenvolvimento de alternativas anticapitalistas,

Nesse trecho há um derrotismo que não condiz com a realidade. Os modelos "fracassaram", inclusive o "falso" (!) modelo soviético (i.e., socialismo "real"). Afirmar isso é desconsiderar a enormidade de triunfos da Revolução de Outubro em diante. A dissolução dos Estados Operários não foi o fracasso do socialismo (é verdade que o texto fala em "modelo", mas quando se aborda esse assunto, o do "fracasso", geralmente se quer atacar o socialismo em si, ainda que não seja essa a intenção do MES), assim como o Congresso de Viena das monarquias reentronizadas de 1814-15 não foi o "fracasso" do ideário liberal-iluminista. É que a luta de classes não anda em linha reta. Tem caminhos sinuosos. A História comporta-se como espiral. Os sectários, todavia, como falamos acima, querem a situação "perfeita".

E outra: a Revolução Bolivariana, uma "utopia declamatória", é colocada entre os modelos "fracassados". Isso cai em contradição com o próprio texto, como veremos mais a frente.

Temos que levar em conta também a ausência de direção mais conseqüente que é por agora inexistente. E outra questão fundamental é a ausência de um pólo, modelo, ou bloco econômico alternativo ao do imperialismo.

Entendemos que o "Programa de Transição" trotskyano não precisa ser atualizado quando fala em crise de direção. A afirmação de que "a situação política mundial no seu conjunto caracteriza-se, antes de mais nada, pela crise histórica da direção do proletariado" está atualíssima, desde 1938. A autodeclarada "vanguarda" do proletariado -os partidos e movimentos de todo o espectro de esquerda- há muito se perdeu entre o oportunismo e o revisionismo, de um lado, e o sectarismo "principista", de outro. Nos dois casos, não estão aptos ao papel de "motor" da classe. Para nós, isso é um fato objetivo. Todavia, há uma diferença entre crise de direção e ausência de direção. Entre trancos e barrancos, a resistência tem se articulado. Ademais, como falamos acima entendemos que há, sim, um "bloco econômico alternativo ao do imperialismo", e ao invés de capitular aos pessimismo e ao derrotismo, a esquerda faria melhor pela classe trabalhadora mundial se ombreasse, ainda que criticamente, com tal bloco.

Em breve publicaremos a segunda parte.
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